Há muitos anos tem-se o conhecimento da importância da publicidade no consumo e no comportamento da sociedade e isso fica mais evidente quando olhamos o histórico em momentos de crise. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, por uma necessidade econômica naquele período, fez-se um esforço em propaganda para convencer as mulheres que elas podiam ocupar espaços nas indústrias, como a famosa imagem da “Rosie, a rebitadora” com os dizeres “Nós podemos fazer isso”. Isso fez com que ~6MM de mulheres começassem a trabalhar e, no pós guerra com o retorno dos homens às indústrias, a publicidade passou a lembrá-las quanto às responsabilidades do lar, associando sua felicidade e realização pessoal com os cuidados para com a casa e a família.
Ao planejar uma campanha, além de conhecer e destacar os benefícios e as vantagens da marca frente a seus concorrentes, também analisamos o comportamento dos consumidores para entender como se comunicar com ele, mais especificamente como seduzi-lo e, assim, construir no subconsciente necessidades e vontades que não existiam. Por isso, ao divulgar um produto/serviço, consideram-se as tarefas funcionais, emocionais e sociais, pois sabemos que a propaganda não vende só o produto/serviço, mas aquilo que este representa para o consumidor.
Bom, isso não é novidade, inclusive uma prática já muito conhecida pelos publicitários. A questão é que, mesmo sabendo disso há tantos anos, ainda temos uma publicidade que não é representativa. Mesmo com o digital, onde temos a possibilidade de segmentar nossa comunicação, não utilizamos as diferentes mensagens para os diferentes comportamentos. Mesmo com a evolução que temos em discussões do papel da mulher e do resultado dessa atuação no meio corporativo – e aqui abro um parenteses importante: uma pesquisa da McKinsey em 2019 já mostrou que as companhias que possuem pelo menos uma mulher em seu time de executivos são mais lucrativas, tendo 50% mais chance de aumentar a rentabilidade e 22% de crescer a média da margem de Ebitda – ainda há propagandas de produtos de limpeza que se comunicam apenas com mulheres ou de moda direcionando o diálogo somente às mulheres brancas e malhadas.
Por que isso acontece?
Muitas vezes, vemos publicitários criando anúncios e marketeiros aprovando sem nem perceberem o preconceito implícito. E, por isso, temos que mostrar sempre e ser um assunto constante, para que deixe de ser comum. Além de ter muitos números que já comprovam que retratar mulheres de maneira menos estereotipada em campanhas publicitárias e filmes tem consequências diretas no retorno financeiro e na percepção da marca.
Tive duas experiências muito boas em poder utilizar mulheres nos anúncios de empresas da indústria automotiva, inclusive realizando o teste e comprovando o aumento gerado na lembrança de marca e na intenção de compra. Esses testes foram motivados ao saberem que apenas 15% das propagandas da indústria possuíam uma mulher e apenas 1 em cada 5 mulheres se sentiam representadas nas propagandas. E, como sabemos, o comportamento e consumo são afetados quando se sente a representatividade.
Além de representar as mulheres, é importante também retratá-las de maneira menos estereotipada, reconhecendo as diferenças e todos os tipos de belezas. Uma pesquisa da Association of Advertisers de 2017 mostrou que os anúncios que retratam as mulheres de forma igualitária (respeitosa, apropriada e com um modelo positivo) melhoram a intenção de compra em 26% entre todos os consumidores e 45% entre as mulheres. E, quando os anúncios retratam as mulheres como “íntegras, humanas e fortes”, a intenção de compra sobe 35 pontos e a reputação da marca sobe 83 pontos, segundo a ABX Advertising Benchmark Index.
Ainda há a pesquisa da Ipsos encomendada pelo Facebook em out/2020 que mostra que 59% dos consumidores entrevistados disseram ser mais leais a marcas que representam diversidade e inclusão na publicidade online e que preferem comprar de marcas que representam diversidade e inclusão no mesmo cenário. Também vemos que em uma população com 57% de pessoas com sobrepeso, 96% dos anúncios são de mulheres com “corpão”, definido ou magras. Segundo a mesma pesquisa, a representatividade da população LGBT é ainda pior: apenas 0,33% das campanhas, o que significa apenas oito comerciais entre os quase três mil analisados. Eu, de fato, não consigo mais comprar em loja de roupas que só tem mulheres brancas e magras nas fotos.
E mesmo com tantos números positivos, notamos que segundo uma pesquisa recente do IAB Brasil em parceria com a Toluna, mais da metade das mulheres não concordam que as propagandas mostram mulheres reais, ou seja, não representam a realidade delas. E quanto mais jovem são essas mulheres, maior a discordância. Já os homens não possuem essa mesma percepção: enquanto 38% das mulheres dizem discordar, nos homens são apenas 23%. Eles ainda querem achar que as mulheres dos comerciais representam a realidade. Só lembrando, isso quer dizer que pelo menos 38% do seu dinheiro em publicidade foi jogado fora simplesmente porque seu anúncio não fazia com que essas mulheres se sentissem representadas neles.
E como paramos esse ciclo?
Há mais homens do que mulheres em cargos de liderança e há mais homens que mulheres na criação das agências. O processo precisa começar desde o briefing e continuar em todos os momentos da criação da campanha, tendo a devida atenção para a representatividade que a publicidade está imprimindo à sociedade. Haver representatividade na criação e nas empresas reflete em representatividade na comunicação e para os consumidores. E, por fim, usar a tecnologia a favor da representatividade: segmentações, testes, criativos dinâmicos, verificação de target etc. No Data Meets Diversity tem um material bem completo mostrando como os estereótipos são criados na publicidade e boas dicas de como evitá-los.
Por fim, trazendo a discrepância para o trabalho, a pesquisa do IAB Brasil também mostrou que enquanto apenas 27% das mulheres dizem sentir que possuem espaço para se expressar e serem elas mesmas no ambiente corporativo, 53% dos homens acham que as mulheres possuem essa abertura. É um sentimento ainda não compreendido, uma expressão ainda não conhecida, um espaço ainda reprimido.
Além da visão diferente quanto à sua expressão, os motivos para que as mulheres não alcancem posições de liderança também são vistas de forma diferente: para os homens, o principal motivo é a falta de oportunidade, enquanto para as mulheres, o que vem primeiro é o preconceito. A discussão de oportunidade e preconceito é bem conhecida em todas as causas, quantas vezes a falta de oportunidade ocorre por um preconceito – machismo – escondido? Muitas vezes o preconceito não é visto nem sentido, porém a associação maior com os seus iguais, a forma diferente de se falar quando é com um homem ou com uma mulher, já é uma forma de não trazer a oportunidade igualmente.
E, com isso, gostaria de finalizar com uma esperança: no Dia das Mulheres, a Gauge presenteou todos os funcionários com um livro brilhante da Chimamanda: “Sejamos todos feministas”. Esse é o melhor presente nesta data e na vida, não é somente sobre homenagear mulheres, mas sim sobre promover a mudança de uma cultura.
Em um ano em que muitas empresas buscarão rentabilidade, é importante repensar a representatividade dos seus anúncios.
Autora: Amanda Gasperini, Head de Marketing Analytics (data, media & martech) na Gauge e vice-presidente do Comitê de Mensuração do IAB Brasil