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O senso de pertencimento pode transformar o ambiente de trabalho

O senso de pertencimento pode transformar o ambiente de trabalho

Viver a experiência de pertencer a um ambiente de trabalho seguro e saudável não tem sido a realidade da maioria dos profissionais em atividade. Quem já está no mercado há mais de 15 ou 20 anos sabe que a questão nem chegava a ser um assunto discutido dentro das empresas – pelo menos, não da forma como abordamos atualmente.

A valorização das práticas de gestão de pessoas vem se intensificando na última década. Afinal, está mais do que comprovado que ‘pessoas felizes’ (ou seja, aquelas com alto índice de engajamento) produzem mais e melhor, gerando impacto positivo no produto final e nos resultados financeiros. Da mesma forma, organizações que investem em políticas e práticas que promovem um espaço inclusivo e diverso, elevam o índice de engajamento dos times e obtêm resultados financeiros acima da média das demais, como demonstrado na mais recente versão do estudo da McKinsey sobre os impactos da diversidade nos negócios.

Mas como isso acontece na prática? A resposta certamente varia de pessoa para pessoa – uma vez que cada uma tem necessidades, objetivos e percepções diferentes. Assim como também para as empresas, com seus contextos de mercado, realidades financeiras e modelos de operação diferentes. Mas uma coisa é certa: um ambiente de trabalho só é seguro e saudável se for para todos e todas, visto que a necessidade de foco e investimento nas pautas que envolvem inclusão e diversidade é imperativa também para a construção de melhores relações humanas.

Para profissionais da comunidade LGBTQIA+, muitas companhias oferecem ambientes bastante constrangedores e até ofensivos. Seja por uma cultura organizacional já estabelecida, pela natureza da atividade comercial (que pode ser predominantemente masculina, conservadora e machista) ou por comportamentos individuais inadequados e até agressivos que são tolerados, é quase impossível manter a saúde, a motivação e a produtividade equilibradas.

Nos últimos 10 anos, temos visto conquistas importantes da comunidade LGBTQIA+ em relação aos direitos civis, assim como mais oportunidades de atuação no mercado formal de trabalho. Iniciativas promovidas por algumas grandes empresas são importantes e necessárias, mas ainda insuficientes para acelerar o processo de transformação organizacional. Mais da metade das pessoas pertencentes ao grupo não se sentem confortáveis para tratar do assunto no ambiente profissional.

Além disso, se por um lado, alguns temas de ordem pessoal realmente não devem ser relevantes no contexto profissional, pode ser que essa decisão seja tomada para evitar possíveis constrangimentos e desgastes emocionais. Em pesquisa realizada pelo Linkedin em 2019, foi apurado que 1 em cada 3 pessoas já sofreu preconceito ou discriminação no trabalho. Quem de nós nunca presenciou um comentário maldoso, uma ‘piada’ ofensiva ou o uso de termos homofóbicos em situações profissionais?

Em empresas de comunicação, incluindo agências de publicidade, existe a percepção de que os ambientes são mais informais, descontraídos e inclusivos. Em alguns aspectos é verdade, em 13 anos no mercado publicitário, digo que a mudança é perceptível, boa parte das agências têm times um pouco mais diversos do que há 5 ou 10 anos. Ainda assim, falta encontrar representatividade distribuída de forma equilibrada em todos os níveis hierárquicos e também práticas de formação e gestão que contribuam para a mudança de comportamento. Os grupos minorizados podem confirmar a frequência com que acontecem situações de preconceito, mesmo que “não intencionais” ou “por falta de informação” – desculpas que não justificam o erro e podem ser corrigidas (ou evitadas) quando se assume essa responsabilidade.

Se existe a real intenção da empresa em mitigar ao máximo o risco das pessoas sentirem-se inseguras, prejudicadas ou desconsideradas, os planos de ação podem ser diferentes e adequados à cada realidade, mas é recomendável que contemplem:
I) Política interna específica ou manual de conduta no trabalho, que declare o compromisso com o respeito e a valorização das individualidades;
II) Canais de comunicação alternativos, que permitam o anonimato, para reporte de situações suspeitas ou comprovadas;
III) Conteúdo informativo disponível e treinamento obrigatório para todas as pessoas que ingressam na empresa, destacando os comportamentos incentivados e os intolerados. Nas empresas que já deram os passos iniciais, a etapa seguinte é garantir que as práticas de gestão contribuam para a inclusão dos diversos grupos sub representados, como: comitês de diversidade, grupos de afinidades, ações afirmativas nos processos seletivos e na construção de trilhas de desenvolvimento, na formação de gestores e gestoras conscientes e comprometidos em serem agentes de mudança.

A evolução natural das práticas inclusivas pode resultar no desdobramento de políticas internas individualizadas, que atendam às necessidades dos diferentes grupos (LGBTQIA+, negros, mães/pais, refugiados, pessoas com deficiências, entre outros) garantindo, além os direitos civis conquistados, condições de trabalho e desenvolvimento que levam em conta tais individualidades.

As empresas têm um papel fundamental nesse processo, mas é importante lembrar que a mudança que queremos ver na sociedade começa com cada um de nós. Muito antes da nossa vida profissional, em nosso processo de formação educacional como cidadãos e cidadãs, temos que aprender que somos todos diferentes de muitas maneiras e são as diferenças que tornam tudo mais interessante e complexo. Precisamos construir relações humanas de qualidade, com abertura ao diálogo e à troca de experiências, que permitam a cada um se sentir visto, ouvido e acolhido, pois cada indivíduo é parte integrante do todo.

Referências:
Processos seletivos, inclusão, comportamento
https://www.michaelpage.com.br/advice/carreira-profissional/pr%C3%B3ximos-passos-em-sua-carreira/profissionais-lgbtqia-e-diversidade-no

Histórico resumido do movimento LGBT+
https://maisdiversidade.com.br/ebooks/ – 13/03 – Mês do orgulho LGBT+

Artigos publicados pela Mais Diversidade
https://maisdiversidade.com.br/na-midia/

Autora: Juliana Amorim, Diretora de Cultura e Pessoas na F.biz e Vice-Presidente do Comitê de Diversidade e Inclusão do IAB Brasil.