Mais do que nunca, as empresas vêm sendo cobradas de forma a oferecerem soluções para os grandes problemas da sociedade, especialmente aqueles ligados à diversidade e inclusão de grupos minorizados. Se durante todo o século XX gerar lucro era suficiente para justificar a existência de uma organização, no século XXI é preciso ir além, gerando impacto medido por outras métricas. Essa não é uma mudança simples, nem superficial. É uma mudança profunda, que chega na alma dos negócios. E se como diz um ditado popular, “a propaganda é a alma do negócio”, quando o negócio muda, a propaganda também precisa mudar.
Em 2021, segundo o eMarketer, pela primeira vez na história, a publicidade digital movimentará mais verba do que a publicidade tradicional no Brasil. Essa inversão ocorre porque o marketing digital atende melhor às diferentes demandas das marcas na relação com seus públicos. O digital é mais eficiente do que as soluções analógicas, mas essa eficiência foi medida, nas últimas décadas, por indicadores muito ligados à rentabilidade (ROI, ROAS, CAC etc). Precisamos ser mais eficientes também segundo novos indicadores, já que as empresas estão sendo avaliadas de maneira mais ampla.
Na década de 70, o Nobel de Economia Milton Friedman resumiu o entendimento principal da época sobre o propósito de uma corporação: dar lucro. No entendimento do pai do neoliberalismo, essas instituições servem apenas para remunerar o capital de seus acionistas e poderiam fazer o que fosse preciso para maximizar esses ganhos, sendo limitada apenas pela lei. Essa interpretação foi a dominante no mundo corporativo até recentemente. 50 anos depois, em 2019, Larry Fink, CEO do BlackRock, maior fundo de investimento do mundo com mais de US$ 9 trilhões (4,5 vezes o PIB do Brasil) sob gestão, resumiu na carta “Profit & Purpose” o novo entendimento que predomina no mundo corporativo atual: é preciso ter um propósito maior do que lucrar.
Dar lucro não é um objetivo final, mas sim obrigação básica e um meio para algo. Empresas não existem para dar lucro. Elas dão lucro porque existem e, para se manterem vivas, precisam perseguir algo maior, medindo seus resultados para além de ebitda, lucro líquido e market share.
Essa pressão se tornou muito mais intensa em 2020, quando uma pandemia inesperada provocou a perda de milhões de vidas e fez toda a sociedade questionar o que cada ente social, especialmente as organizações, estavam fazendo para melhorar a situação. Esse processo acelerou a tendência da responsabilização das corporações, sendo resumido pelo uso de indicadores ESG para aferir o impacto corporativo no ambiente (Environment), na sociedade (Social) e no cumprimento da governança (Governance).
Nesse cenário, não cabe ao marketing digital apenas seguir o fluxo e criar indicadores sobre seu impacto (positivo ou não) na sociedade. Acredito que nós devemos liderar esse processo. Há quem pense que a temática ESG está ligada a outros setores, pois o marketing digital, ao movimentar cerca de 0,4% do PIB, representa muito pouco de toda economia. Mas se somos apenas um ponto do todo, somos o bindi, aquele ponto no centro da testa que, para os hindus, guarda a alma. Além de empregar milhares de pessoas e de movimentar bilhões de reais, os anúncios que veiculamos fazem ideias circularem, hábitos pegarem e negócios crescerem.
Os anúncios que veiculamos são vistos bilhões de vezes por dia. Tamanha visibilidade pode fortalecer ou enfraquecer estereótipos. Ainda estamos engatinhando no que se refere à mensuração do seu impacto nesse aspecto, mas o pouco que medimos, através de pesquisas como a Todxs, mostram que não estamos fazendo um bom trabalho.
Além disso, vale lembrar que o modelo de negócio reinante entre os publishers digitais é baseado na publicidade. São os anunciantes que financiam, através de anúncios, os produtores de conteúdos, e somos nós, da indústria do marketing digital, que indicamos onde os anúncios devem aparecer. Ou seja, num momento de sociedade polarizada, de circulação de discurso de ódio e de luta por maior representatividade, precisamos acompanhar e ser avaliados sobre que tipo de conteúdo as verbas de mídia que nós gerenciamos está financiando.
Em resumo, pelo seu papel estratégico na geração de negócios e na formação da percepção das pessoas sobre o mundo, o marketing digital deve liderar o processo de adoção de políticas ESG, criando e acompanhando indicadores sobre o resultado que geramos para além de vendas, inscrições e instalações. O mercado financeiro já deixou claro que ROI (Return On Investment) no século XXI não deve ser medido apenas por indicadores pecuniários. Cabe a gente, o quanto antes, apresentar métricas sobre o retorno que esse investimento gera para a sociedade nos seus diferentes aspectos. O mundo precisa da nossa liderança na busca por ROI, lucro e propósito.
Autor: Lucas Reis, CEO na Zygon AdTech & Data Solutions e Presidente do Comitê de Diversidade e Inclusão do IAB Brasil.