O que vai ficar no lugar dos cookies de terceiros quando esse tipo de identificação deixar de existir em 2022? Como fazer publicidade segmentada no ambiente digital sem os cookies de anunciantes? Até o momento, é possível destacar ao menos três fortes alternativas: coortes (em inglês, cohorts), segmentação contextual e e-mail consentido.
A primeira e também a mais debatida no momento são mesmo as coortes – conceito estatístico que, explicando simplificadamente, resume-se no agrupamento de um conjunto de pessoas baseado em uma característica em comum. Propostas pelo Google por meio de uma solução chamada FLoC (Federated Learning of Cohorts), elas estão hoje em fase de teste e avaliação no W3C (World Wide Web Consortium).
Diante delas, o “um para um” abre espaço para segmentações por grupos classificados de acordo com interesses – o que, de modo geral, permitirá que um anúncio para torcedores de futebol possa chegar por decisão do navegador a pessoas que fazem parte desse grupo sem que o anunciante ou a plataforma tenha acesso a dados individuais.
A outra possibilidade é a já conhecida segmentação contextual. Ou seja, aquela que direciona anúncios com base no conteúdo. Além disso, há um terceiro caminho: o e-mail consentido e esse é o assunto deste artigo.
Essa alternativa se baseia em uma chave de identificação determinística fornecida e autorizada conscientemente pelo consumidor, que pode ser um e-mail, mas que também poderia ser um número de telefone. Com base no relacionamento com os consumidores, os editores recolhem esse dado e pedem o consentimento para que possa ser administrado e compartilhado de forma criptografada por uma entidade terceira.
Para avaliar essa alternativa de e-mail consentido, o IAB Tech Lab – por meio do Projeto Rearc – com a colaboração do PRAM (Partnership for Responsible Addressable Media) formou um Grupo de Trabalho que vem analisando a qualidade técnica e o cumprimento de regras universais de privacidade de algumas soluções apresentadas por empresas do setor.
Das soluções, em avaliação mais avançada está o Unified ID 2.0 (UID 2.0), criado pela empresa The Trade Desk – que, em maio, anunciou a abertura de seu código fonte para que qualquer organização ou profissional possa conhecer e contribuir com melhorias.
Essa abertura elimina globalmente uma das principais ressalvas a esse tipo de solução: a de que elas poderiam se tornar caixas pretas controladas por iniciativas privadas. Até então, a sensação do mercado era a de que sistemas unificados de identidade não funcionavam muito bem, porque costumavam ser vistos como propriedade das instituições que os desenvolviam. Com o open source do UID 2.0, o IAB Tech Lab já consegue apontar alguns caminhos:
1) O mercado agora possui total propriedade sobre o desenvolvimento contínuo do UID 2.0 como uma infraestrutura interoperável para apoiar a inovação e o crescimento da indústria. Afinal, agora, qualquer pessoa pode propor atualizações e mudanças que melhorem o projeto, em aspectos que vão da qualidade das segmentações até a garantia de privacidade dos consumidores, essa última muito decisiva para determinar o futuro dessas soluções.
2) Os grupos de trabalho do Projeto Rearc guiarão o desenvolvimento técnico do UID 2.0 com mais controle.
3) A Trade Desk vai se manter como um colaborador ativo do UID 2.0 em parceria com outras empresas e continuará a trabalhar para acelerar a adoção.
4) A Prebid.org permanecerá como um dos vários operadores do UID 2.0 que criam tokens de ID.
É importante destacar que UID 2.0 é a só primeira de muitas soluções de endereçabilidade a serem levadas adiante por meio do PRAM e caminha para se tornar uma arquitetura controlada e administrada pelo próprio mercado.
Além disso, o Projeto Rearc continuará a trabalhar para finalizar e lançar oficialmente um conjunto de diretrizes e padrões técnicos para guiar empresas do mundo todo que busquem orientações sólidas para endereçamento, privacidade e responsabilidade. Esses materiais de orientações e diretrizes estavam recentemente abertos para consulta pública global no IAB Tech Lab e, agora, estão sendo revistos antes de serem publicados.
Os fundamentos que sustentam essas diretrizes do Rearc são:
- Os consumidores devem sempre estar no controle do uso de IDs e dos dados gerados por eles;
- Os identificadores devem ser criptografados o suficiente para que não possam sofrer algum tipo de engenharia reversa que reidentifique a pessoa;
- Marcas e editores podem exigir garantias técnicas auditáveis de que os terceiros não conseguirão rastrear os consumidores sem antes obter o consentimento explícito;
- Os fornecedores podem almejar trabalhar com segurança em nome de terceiros confiáveis, sem correr o risco de comprometer os princípios de privacidade.
A abertura do código seguida pela definição das diretrizes procura assegurar a solução de pelo menos três necessidades. A primeira é o compromisso de que o UID 2.0 vai seguir os princípios estabelecidos no Projeto Rearc. Depois, que outras soluções como essa possam ser desenvolvidas com mais segurança a partir de agora. E, por último, que o mercado consiga iniciar a adoção desse tipo de ID antes que os cookies de terceiros e os identificadores mobile desapareçam de vez.
Sobre o Projeto Rearc e sobre o PRAM:
O Projeto Rearc é uma iniciativa técnica global do IAB que visa reconstruir a forma como se faz publicidade segmentada, tendo o respeito à privacidade como principal fundamento. A PRAM é uma iniciativa da associação de anunciantes dos Estados Unidos (ANA) para apoiar o Projeto Rearc e é formada por mais de 400 empresas e associações, incluindo a associação americana de agências de publicidade (4As).
Autor: José Calazans, especialista em mídias digitais na área de pesquisa do Grupo Globo e presidente do Comitê Tech Lab do IAB Brasil.