A pandemia nos afastou por dois anos, mas em 2022 a VidCon – um dos maiores eventos do mundo da indústria audiovisual e que reúne criadores, entusiastas e profissionais de vídeo on-line – retornou para Anaheim, na Califórnia. Ao chegar, de imediato algo já chamou a atenção: o protagonista mudou. Na última década, o YouTube foi o principal patrocinador do evento. Este ano, o TikTok assumiu as rédeas, mas o foco das discussões estava muito além disso. No lugar onde os principais criadores digitais do mundo, inovadores de plataforma e seus fãs convergem em um só lugar.
Durante os quatro dias de evento, me juntei aos mais de 50 mil participantes que passaram pelos painéis que giraram bastante em torno do futuro da criação de conteúdo, web 3.0, metaverso e diversidade já desde a abertura com Hank Green, cofundador da conferência de criadores, e Pam Kaufman, presidente da Paramount.
É fato que estamos mais familiarizados com palavras como ‘NFT’ e ‘Metaverso’, que ficaram conhecidas no começo de 2022 quando o Facebook anunciou a mudança de nome para ‘Meta’ e o lançamento de sua plataforma de mundo aberto, Horizon Worlds. Porém, ambas representam apenas a ponta descoberta do iceberg, uma vez que o que deve ditar as regras das conexões digitais no futuro é a web3, ainda criada no fundo do oceano.
Para que você possa entender o que vem por aí, é preciso compreender as fases que já passamos. A web1 se relaciona com os primórdios da internet, em uma era em que tínhamos um espaço de pouca troca e mais informações unilaterais (o que podemos resumir na época que perguntávamos “Google, o que é isso?”). O ponto de virada para a web2, que vivemos hoje, foi o surgimento das redes sociais e a ampliação do espaço de voz para qualquer um de nós. Estamos diante de espaços recheados de informações e opiniões que nos importam.
Com a maturidade digital e o conhecimento criado, caminhamos para a chamada web3, onde a descentralização chega por completo e quando teremos autonomia das nossas informações e relações sem intermediários.
Desde o surgimento da economia de criadores de conteúdo já vimos o nascimento de diversas plataformas – como Facebook, Instagram, YouTube, Pinterest, TikTok, Kwai – e também a transformação e ampliação do seu modelo de negócios. Mas, pela primeira vez, estamos diante da iminência de ter a audiência ditando a nova forma de produzir e consumir conteúdo.
Apertando o tradutor, enquanto audiência, o que me importa é o conteúdo e o seu criador. É com isso que eu me conecto e é para isso que estou disposta a dar o meu dinheiro. Então, melhor ainda se ele falar direto comigo, sem nenhum intermediário, e eu pagar diretamente para consumir o conteúdo do creator de quem eu sou fã.
A descentralização é ponto chave que, aos poucos, nos conduz para a formação das chamadas DAOs (Organização autônoma descentralizada), que se auto gerem. Em paralelo, a engrenagem da tecnologia faz com que as NFTs permitam ‘tokenizar’ qualquer tipo de conteúdo (artes, músicas, vídeo) e comercializá-lo de forma direta e autenticada – tendo também como um plano de fundo a construção de comunidade.
‘Stoner Cats’, liderada pelos atores Mila Kunis e Ashton Kutcher, ilustra bem essa lógica. Os produtores fizeram uma espécie de financiamento coletivo via NFT para tornar a série real sem a necessidade de um estúdio de criação e distribuição. Quem adquiriu as NFTs tem o direito a acompanhar a animação, que deve ter episódios de cinco minutos. E quem investiu em cotas maiores recebeu ainda outros privilégios, como participar criativamente do desenvolvimento do produto audiovisual.
Ou seja, os talentos digitais começam a ser as novas plataformas de streaming. E, nessa linha, o metaverso ajuda a criar uma relação imersiva e experiências escaláveis, que não aconteceriam na vida real, como, por exemplo, estar no estúdio dessa pessoa e acompanhar uma gravação. Isso acaba tornando o futuro do entretenimento e da criação de conteúdo participativo. Ao mesmo tempo, resolve uma das principais dores da economia de criadores que é a proteção aos direitos autorais e a monetização.
Inclusive, Jake Webb, presidente da Slash MGMT, esteve presente na VidCon e apontou que ao trabalhar com o funding da série Entourage, via Fireside, pela primeira vez se vê diante da oportunidade de monetizar projetos antes do lançamento, visto que os fãs se mobilizam e começam a contribuir muito antes da produção.
Se, de fato, a audiência tem interesse em participar de tudo ou só quer conferir seus vídeos para se distrair, ainda é cedo para afirmar. Mas, fato é que, devido às mudanças e evoluções da web3, o marketing de influência possivelmente será afetado, uma vez que as marcas precisarão encontrar novas maneiras de se conectar com o meio e com os formatos de criação de conteúdo.
O painel “DAOs: o futuro das comunidades online”, que reuniu Brendan Gahan, sócio agência criativa independente Mekanism; Jeff Kaufman, especialista em serviços de estratégia digital; Jim Daily, que atua com web3, AdTech e criptoativos; e Nicole de Ayora, diretora de produtos da Dapper Collectives, jogou luz em como isso deve acontecer. As marcas precisarão se tornar, criar ou participar de uma Organização Autônoma Descentralizada, visto que a comunidade é que terá o poder de desenvolver aquilo que gera valor para si. O mesmo vale para as plataformas, que precisarão se preocupar mais do que nunca em se inserir nesse universo por meio de uma comunidade participativa.
Autor(a): Luiza Maggessi, Diretora Executiva de Produção e Conteúdo da NWB.