Dados Pessoais, Publicidade e Autorregulamentação
Por convite do Conselho Internacional de Autorregulamentação da Publicidade ICAS a seus membros e com o apoio do IAB Brasil, o CONAR enviou representante para a Conferência de Cúpula da Aliança de Publicidade Digital – DAA (Digital Advertising Alliance Summit), realizada em Washington D.C., em junho deste ano.
O evento reuniu líderes do mercado digital e autoridades do governo federal norte americano para tratar do uso de dados em publicidade, transmitindo duas mensagens principais: a necessidade de promover o respeito ao consumidor e de garantir o fomento à inovação.
Em todos os países, as discussões sobre o uso de dados pessoais vêm ocupando lugar de destaque. A atividade é tida pela indústria e por autoridades[1] como o mais importante impulso para a economia em nosso século. Ao mesmo tempo representa tanto a extensão de tudo àquilo que não está cercado pela pele, o espaço subjetivo de cada indivíduo (profiling), quanto ingrediente contemporâneo da comunicação interpessoal e entre empresas e consumidores.
Os dados constituem as premissas dos processos de automação, otimização das soluções, inteligência artificial e, completando esta cadeia, são utilizados para tornar a publicidade mais relevante e útil.
A publicidade baseada em interesse, conhecida por IBA – Interest Based Advertising (ou OBA – Online Behavioral Advertising) – configura uma das mais importantes opções de que as empresas de tecnologia dispoem para selecionar e apresentar anúncios personalizados ao usuário.
Cientes da interface com o consumidor e da posição no núcleo de atividades empresariais, a partir de 2009 nos Estados Unidos e na Europa os stakeholders do mercado de tecnologia demonstraram proeminência intelectual e atitude diante da evidência de necessidade, expressando o compromisso de respeito às partes, mediante a concepção conjunta de um sistema de autocontrole do uso de dados e assim mantendo em primazia a autonomia sobre esta vasta modalidade: a publicidade comportamental online (IBA/OBA).
O Guia[2] norte-americano “Self-Regulatory Principles for Online Behavioral Advertising” abre com capital sinalização: é a publicidade baseada em dados que financia cada vez mais o acesso conveniente ao conteúdo na rede, aplicativos e serviços que os consumidores esperam sem custo para eles.
Reduzindo complexidade em construção precisa e minimalista, o Guia foi criado conjuntamente pelo próprio setor, pelas associações dos Anunciantes, Agências, o Better Business Bureau, a Direct Marketing Association e pelo IAB – Interactive Advertising Bureau, viabilizando solução enxuta, por meio do uso de um ícone; pictograma uniforme nos EUA, Canadá e países da Europa, que gera acesso ao detalhamento das informações necessárias sobre a coleta e uso publicitário dos dados, habilitando o exercício de opção pelo consumidor. Representa ferramenta específica para garantir o respeito ao usuário e ao mesmo tempo gerar segurança aos empreendedores digitais.
O programa estabelecido para aplicação destes Standards, conduzido pela DAA (Digital Advertising Alliance) completa oito anos de virtuoso trabalho apresentado durante o Summit 2019.
A Lei aprovada na Califórnia (CCAP) e tramitação de projetos legislativos em diversos estados norte-americanos foram objeto de debates sobre a necessidade de um tratamento nacional único, de articulação internacional e do papel do controle privado.
Neste sentido o discurso da Deputada Cathy McMorris Rodgers[3] (integrante de Comitê com jurisdição sobre grande parte das questões de tecnologia), de que é imprescindível adotar solução que permita a inovação, o empreendedorismo e o uso regular dos dados (em maior parte, ele beneficiaria o consumidor e a indústria), combatendo-se apenas o mau uso. Ao propugnar por cobertura normativa uniforme (‘colcha de retalhos vulnera proteção ao consumidor e torna os negócios tarefa impossível’), estatuiu a necessidade do autocontrole e reforçou a importância da publicidade baseada nos dados, afirmando:
“Os serviços e conteúdos inovadores que tornaram a Internet tão boa têm sido largamente apoiados por receitas baseadas em publicidade. Este modelo criou enormes benefícios para os consumidores e empresas. Ao utilizar a receita baseada em anúncios que as empresas divulgam, os usuários da Internet têm acesso a serviços gratuitos de nível corporativo e a um conteúdo incrível, independentemente de seu status econômico. (…).
Para preservar esse incrível nível de acesso aos serviços da Internet, precisamos garantir que tudo o que fizermos em Washington não atrapalhe esse modelo baseado em anúncios.”
Os números descomunais da economia de dados (40% das empresas alocaram negócios em venda de dados, representariam em estimativa nos EUA 2 bilhões de dólares) foram destacados pelo Presidente da NAI[4], associação das empresas de tecnologia integrante do DAA, Leigh Freund que ponderou também que o uso de dados deve ter fim humano, a considerar o impacto social.
Os efeitos da publicidade baseada em dados também na reputação e segurança para as marcas e consumidores revelaram uníssona necessidade de medidas de controle, tendo sido a autorregulamentação apontada como método de maior compatibilidade para abranger a complexidade e dinamismo das questões de políticas de dados, de forma que o protagonismo do setor, para criar seus próprios controles, foi claramente requisitado pelas autoridades e defendido com firmeza pelos líderes do mercado.
Gerando visão maior, do quadro avançado e articulação internacional, participaram do evento os representantes dos programas equivalentes na Argentina[5], Canadá[6] e Europa[7], instituindo o intercâmbio de informações necessário aos empreendedores para, conhecendo os consensos globais e particularidades locais, permitir a manutenção do deslocamento global de suas atividades nas redes.
Com desenhos particulares, os objetivos declarados dos programas nos diversos países é comum – aumentar a transparência e controle do consumidor, no tocante a publicidade baseada em seus interesses e gerar solução simplificada para o mercado.
No caso Europeu, a cobertura ocorreu a partir da edição pela European Advertising Standards Alliance – EASA, em 2011, do Guia “Melhores Práticas relacionadas à Publicidade baseada em interesse”[8], documento que inaugura postulando aos países membros a abrangência das atividade de autocontrole da publicidade comportamental, com a adoção de regras e programas de conformidade.
Além dos integrantes do mercado, o desenho europeu tem a coautoria do IAB Europa, com edição de quadro próprio de princípios[9], resultando em sistema completo para implementação dos Standards da publicidade online comportamental, com plataforma de manejo de queixas de consumidores, programa de conformidade e aplicação das regras, certificação independente e medidas educativas voltadas à indústria e aos consumidores.
Os sistemas de autorregulamentação dos países atingiram regimes acessíveis e reconhecidos, inclusive pelas autoridades, para a coleta e o uso responsável dos dados na publicidade, prevenindo a adoção de regulação desnecessária e privilegiando ações educativas e corretivas no lugar de autuações. Em todos os sistemas, além de melhorar o conteúdo da publicidade ao trazer a decisão do consumidor, as medidas garantem estabilidade e segurança tanto para o mercado quanto para o usuário, amparando crescimento e inovação. Eles funcionam, ainda, como ponto de articulação frente ao controle externo, pelas autoridades nacionais incumbidas de fiscalização e aplicação das leis nos respectivos países. Estão aptos também a promover o manejo internacional, por meio do permanente contato entre os órgãos, permitindo às empresas deslocamento simplificado dos cuidados adotados em cada país.
Se bem sucedida e responsável, a busca pela identificação dos interesses e desejos e o suporte à necessidade dos consumidores faz a vida melhor e assim há de ser estimulada. Ao fazer jus a esta responsabilidade, a indústria digital poderá seguir contribuindo com o crescimento genuíno e com a manutenção da autonomia e de um ambiente virtual sadio e ético.
1. https://digitaladvertisingalliance.org/blog/summit-snapshot-19dc-rep-cathy-mcmorris-rodgers-r-wa-announces-push-federal-data-privacy-law
2. https://digitaladvertisingalliance.org/sites/aboutads/files/DAA_files/seven-principles-07-01-09.pdf
3. Integrante do Subcomitê de Energia e Comércio da Defesa e Comércio do Consumidor da Câmara Federal dos Deputados, que tem jurisdição sobre grande parte das questões de tecnologia: https://mcmorris.house.gov/digital-advertising-alliance/
4. https://www.networkadvertising.org/
5. Alianza de Publicidad Digital de Argentina – http://tupublicidaddigital.org/
6. Digital Advertising Alliance of Canada – https://youradchoices.ca/
7. European Interactive Digital Advertising Alliance – https://www.edaa.eu/
8. EASA – Best Practice Recommendation on Online Behavioural Advertising;
9. https://iabeurope.eu/transparency-consent-framework/
Autora: Juliana Nakata Albuquerque, Diretora de Acompanhamento Processual e Coordenação do Conselho de Ética do CONAR