Para o setor de marketing, além da pandemia, um desafio que ainda paira sem muita definição é o mundo sem cookies de terceiros. Os profissionais dessa área anseiam saber como será o futuro em que não terão, no mínimo, acesso às extensões de dados usadas por um bom tempo, essencialmente para acelerar o crescimento dos negócios.
Ainda que este artigo proponha abordar a tecnologia, é essencial lembrar que as pessoas sempre estiveram no centro do marketing – seja no passado ou nesta nova fase que virá. Por mais que os identificadores compartilhados, como cookies, estejam com data para desaparecer, não podemos deixar de lado a visão única do comportamento de mídia do consumidor. Afinal, esta mudança promete ampliar o grau de fragmentação ao qual as decisões de marketing estão expostas.
Sem rastreadores, situações como opt-out, ambiente não-logado e de dados a menos, os times de marketing deverão reavaliar as fontes e a qualidade dessas informações para estabelecer e manter relacionamentos relevantes com os clientes. Dados primários de qualidade serão críticos, mas não suficientes por si só. O fim dos cookies, combinado com a erosão dos dados e a fragmentação contínua, apenas ampliam a necessidade de uma martech eficaz e direcionada para o futuro.
De acordo com um relatório do IAB Tech Lab, publicado em julho de 2020, a extinção dos cookies de terceiros para anunciantes levaria à necessidade de revisitar funções como medição de conversão, atribuição, prospecção segmentada, retargeting, análise de frequência, estudos de lift, assim como modelos look-a-like. Já para os veículos, os maiores impactos encontram-se nas análises relacionadas a e-commerce, venda e análise de dados de audiência, personalização de conteúdo, detecção de fraudes e, claro, na publicidade. No que diz respeito à segmentação comportamental, o abalo maior será aos que permanecem restritos a ela.
É importante ressaltar que o atual momento de disrupção não determina o abandono das técnicas citadas, mas nos obriga a reestruturá-las para que se adequem ao ambiente. Não abandonaremos “o quê”, mas, sim, o “como”. Neste artigo, o objetivo é concentrar-se em analisar os efeitos disso tudo sob o ponto de vista da mensuração da publicidade digital e comentar sobre os caminhos que se propõem a solucionar este desafio. Podemos antecipar que tais mudanças resultarão nos seguintes desafios:
- O frequency capping depende de identificadores que leem o impacto entre publishers (cross-publisher). Portanto, sem esses identificadores, esse recurso não estará mais disponível em sua forma atual. Anunciantes ou agências usam o limite de frequência para restringir a quantidade de vezes que um usuário vê uma campanha ou criativo em um período de tempo específico. Além disso, não importa se esse KPI é definido em uma campanha, criativo ou nível de inventário, a meta é controlar o gasto de mídia por usuário. A ausência de artifício pode diminuir significativamente a experiência para os usuários finais e talvez aumentar a resistência à publicidade. A remoção de cookies de terceiros influencia drasticamente na capacidade do comprador de controlar esse aspecto de uma campanha;
- Sem identificadores cross-publisher (sindicalizar dados primários de marcas para um publisher os transforma em dados third-party), retargeting ou outras formas de segmentação de público-alvo cruzado de editores não serão mais possíveis;
- Os dados first-party do publisher também não poderão ser usados por outros publishers para extensão da audiência sem identificadores cross-publisher;
- Audiências criadas a partir de otimização de criativos dinâmicos (DCO) serão muito prejudicadas sem identificadores cross-publisher;
- DMPs (Data Management Platforms) não poderão criar links entre identificadores da mesma forma que fazem hoje;
- A atribuição de visualização através ou multitoque precisará desenvolver novas formas de mensurar a jornada de um consumidor que seja impactado por mais de um publisher ou canal.
Ainda que o Google tenha sido o último navegador a fazê-lo (Firefox e Safari já acabaram com cookies e não colocaram nada no lugar), o anúncio do fim do uso de cookies de terceiros pela companhia, neste ano, foi o que mais apresentou impacto recente na publicidade digital. Algumas iniciativas que tentavam construir um cookie universal, como o DigiTrust, perderam força e foram descontinuadas. E os profissionais de marketing estão preocupados com um futuro em que não terão as principais fontes de dados às quais estão acostumados.
Três são os caminhos que se apresentam para as organizações que têm operações baseadas em cookies de terceiros: fortalecimento/criação de bases com dados primários (navegação logada), FLoCs/coortes e sistemas identificadores.
DADOS PRIMÁRIOS
Com este novo “como”, aqueles anunciantes e veículos que tenham dados de seus clientes/usuários/consumidores passarão com menos dificuldade por este momento, aproveitando a relevância de seu conteúdo e do relacionamento direto com seu público e as entidades de seu interesse. Não por acaso, vemos alguns anunciantes maduros investindo altas quantias para construir sua própria biblioteca de dados, a Customer Data Platform (CDP).
Além disso, vale lembrar que os cookies first-party – aqueles que ficam disponíveis apenas no ambiente em que foram criados – ainda estão permitidos. Este cenário reforçará a importância de um bom conteúdo, pois agregadores de conteúdo produzidos por terceiros terão menos possibilidades de manter a receita intacta, já que será necessário oferecer um conteúdo relevante o suficiente para que o consumidor decida criar um usuário para navegar nesse ambiente e assim habilitar o publisher a construir sua rede de informações sobre este usuário.
FLoCs / Coortes
Os FLoCs (aprendizado federado em grupos) são um dos recursos contidos na Privacy Sandbox do Google – recurso em que é feita análise estatística sobre dados isolados, mas que acompanha os grupos com uma visão sobre a variação desses mesmos dados ao longo do tempo, sendo uma técnica que já é aplicada em vários campos do conhecimento.
Parte da polêmica dos FLoCs tem a ver com o fato de os demais navegadores da web já interromperem o monitoramento da atividade de navegação dos seus usuários, fazendo com que o Chrome seja o único navegador que manterá ativa alguma forma para viabilizar segmentações para entrega de publicidade digital. No momento, testes com usuários reais são realizados, mas vale acompanhar as atualizações que devem acontecer ainda neste ano.
Em termos práticos, trata-se de um algoritmo para examinar o histórico do seu navegador e colocá-lo em um grupo de pessoas com históricos de navegação semelhantes (por um período de tempo recente) para que os anunciantes possam direcionar suas mensagens a esta parcela de possíveis consumidores. Fazendo uma analogia, funcionaria como um score de crédito, mas focado no seu comportamento de navegação, incluindo histórico de compras.
IDENTIFICADORES (ID SYSTEMS)
Em sua maioria, a fragmentação de investimento dos anunciantes entre publishers reflete a fragmentação dos hábitos de mídia dos consumidores: não é possível impactar seu público-alvo investindo em apenas um único publisher ou plataforma. Os diferentes identificadores na open-web (ambiente de mídia em que a audiência não precisa de um login para consumir conteúdo) atualmente se propõem a resolver o problema da identidade em planos de mídia cross-publisher.
Existem ainda dois caminhos para os proprietários de marca e conteúdo possam fazer conexões com os consumidores: confiar em um ID único/definição comum do público que é absoluto (como acontece nas redes sociais) ou aproveitar muitos IDs e conjuntos de dados que podem aprender e se adaptar para formar uma visão completa do público.
Um identificador (ou id system) não é exatamente uma base de dados. Também não é uma lista estática de dados e IDs. Os identificadores são um modelo de aprendizagem baseado em big data que integra várias fontes de dados, às quais o modelo vai utilizar para traçar uma série de conexões entre eles para decompor a informação e identificar um tipo de usuário.
Um bom identificador será aquele que consegue determinar as exposições de um usuário a uma publicidade, independente do ambiente em que ela ocorra. A introdução de um modelo de identificadores com base em pessoas não identificadas é essencial para marcar as bases para a próxima geração de soluções de mensuração e atribuição que são resistentes à interrupção digital e mudanças do setor.
Algumas empresas têm dedicado bastante energia em iniciativas de identificadores compartilhados (ou democráticos). As associações de dispositivos para este tipo de identificador são baseadas em informações de identificação pessoal criptografadas, muitas vezes por meio de um processo duplo de “hashing” e “salting”. Ao juntarmos toda essa informação, precisamos entender que cada fonte de dados vai ter diferentes níveis de qualidade, cobertura e vieses. Um bom sistema de identificadores não tem somente uma vasta ingestão de big data, mas possui painéis para validar o sistema e combinar dados de várias fontes para mapear a jornada do consumidor.
Isso porque esses IDs são baseados na autenticação do usuário em vários sites e dispositivos, a vinculação é determinística. E porque o resultado identificador não está diretamente relacionado ao valor de entrada, eles também são considerados pseudônimos. Este tipo de identificador, seja baseado em um ID de login, e-mail ou número de telefone, pode ajudar a resolver a perda dos cookies de terceiros e MAIDs em ambientes com vários dispositivos, web e aplicativos.
Este é um desafio antigo da indústria pois impacta a capacidade das marcas de alcançarem audiências volumetricamente significativas. Para os publishers, a verba de publicidade financia a produção de conteúdo. Dessa forma, os identificadores cross-publisher contribuem para a eficiência e efetividade das campanhas, permitindo melhor controle de frequência e aumento de alcance, trazendo não apenas um melhor uso da verba de marketing mas também melhorando o relacionamento entre consumidores atuais e potenciais com mensagens mais relevantes e sem entregar excessivamente o mesmo anúncio.
MENSURAÇÃO É SOBRE PESSOAS
No princípio do artigo, citei alguns exemplos de processos de avaliação que sofrerão impacto com a extinção dos cookies. No entanto, acredito que haja uma reflexão maior a ser feita. Se os dados são a menor unidade dentro do processo de tomada de decisão, quando temos uma mudança na forma como a coleta é feita, implica em revisar todo o processo de mensuração e, ultimamente, o processo de avaliação e decisão de marketing.
A indústria precisa ponderar que, embora taxas de conversões sejam números muito fáceis de entender, estas métricas não contam toda a história. Se você não entende como ele é coletado e o quanto ele está lendo bem o comportamento do consumidor, existe uma probabilidade dos outputs estarem comprometidos. Ao não considerar os vieses causados por uma visão parcial dos seus pontos de contato com seu consumidor – as chamadas audiências ausentes – o que vai acontecer é que você terá uma decisão baseada em alguns dados, mas isso não explica o resultado final nem valida a decisão que você tomou é a correta.
Quem não tem certeza do tamanho do impacto do fim dos cookies para o seu negócio, talvez queira separar um tempo para aprender o mínimo sobre como as informações são coletadas, pois só assim você vai obter um entendimento do real impacto. Nenhum artigo que eu escreva para te apontar os riscos vai substituir a sua missão de entender como a informação é obtida antes de decidir utilizá-las.
Para permitir que anunciantes continuem criando publicidade mensurável, segmentada e escalável, é imperativo que se construa uma visão de metodologia de mensuração centralizada em indivíduos – abraçando a complexidade da jornada do consumidor. Me explico, fazendo coro ao que iniciativas internacionais como a WFA já pontuaram: sem uma visão centralizada em indivíduos, jamais conseguiremos evitar as frequências excessivas de anúncios às quais muitos consumidores são expostos diariamente.
Nossa verdadeira missão por trás do fim dos cookies é desenvolver um sistema que finalmente forneça uma experiência aprimorada do consumidor. Deduplicar corretamente requer estabelecer uma relação muito mais direta com quem seus consumidores são.
À medida que os cookies se vão, todos precisam elevar a sua barra na forma como se comunicam com os consumidores. Neste contexto,os profissionais de marketing precisarão reaprender ou passar validar toda a jornada do consumidor. Em vez de apenas focar em um ponto final da jornada, eles precisarão de dados sobre o que os consumidores estão fazendo quando não estão diretamente envolvidos com o consumo da marca. É aí que as parcerias de dados de segundos e de terceiros baseadas em pessoas podem ajudar.
O desenvolvimento de relacionamentos sólidos com os clientes sempre foi fundamental para as marcas construírem um negócio de sucesso e isso se torna ainda mais vital em um mundo que prioriza a privacidade.
Não podemos nos esquecer que embora a tarefa de mensurar se encontre num momento de disrupção, temos a responsabilidade de não permitir que os desafios do negócio criem empecilhos para o respeito do consentimento do consumidor. Este é o ponto central que o sistema de mensuração deve colocar no centro de sua reinvenção.
Autora: Sabrina Balhes, Measurement Lead na Nielsen e presidente do Comitê de Mensuração do IAB Brasil
Fontes usadas para consulta:
https://www.eff.org/deeplinks/2021/03/googles-floc-terrible-idea
https://gizmodo.com/google-continues-to-promise-its-bid-to-end-cookies-isnt-1846124668
https://iabbrasil.com.br/artigo-o-fim-dos-cookies-e-o-comeco-do-que/
https://blog.google/products/ads-commerce/a-more-privacy-first-web
https://iabbrasil.com.br/artigo-cookies-first-party-e-third-party-quais-as-diferencas/